quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Indisciplina escolar

A indisciplina escolar deve ser vista por uma nova perspectiva, como um fenômeno mais complexo do que aquele normalmente observado, no qual apenas os alunos são os culpados. Essa é uma das constatações do professor Clovis Brito, graduado em Educação Física, mestre e doutorando em Educação, com um período de estágio (Doutoramento Sandwich) na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (Portugal).
Brito é autor e organizador do livro Indisciplina Escolar – antigo problema, novas discussões,publicado pela WAK Editora em 2012 e, também, integrante da linha de pesquisa “Indisciplina na Educação Contemporânea”, do grupo de pesquisa “Práticas Pedagógicas: elementos articuladores”, da Universidade Tuiuti do Paraná. É professor da rede pública federal e atua no Colégio Militar de Curitiba.
Para Brito, é necessário entender que a indisciplina escolar não apresenta uma causa única, ou mesmo principal, mas uma mistura de fatores que devem ser pensados pelos educadores. “Ao deixarmos de analisar a indisciplina somente como um problema, podemos torná-la produtiva; ao superarmos essa visão e nos dispormos a realizar uma leitura mais profunda da indisciplina, poderemos concebê-la como fenômeno rico de significados, capaz de elucidar e redimensionar a prática docente”, afirma o autor.
Acompanhe a entrevista com o professor Clovis Brito, que, desde 2005, pesquisa o tema:
O senhor defende que a indisciplina escolar deve ser considerada além de um entendimento comportamentalista. O que isso significa?
Clovis Brito: Em alguns contextos escolares, a indisciplina é visualizada, ainda, por alguns docentes, apenas como um aspecto pontual de comportamento dos alunos. Para esses docentes, a indisciplina está atrelada, diretamente, à maneira como os discentes se comportam diante de determinadas situações de conflitos que geram indisciplina. Pensar para além de um entendimento comportamentalista significa que devemos, enquanto educadores no século 21, entender a indisciplina escolar como fenômeno de aprendizagem, suplantando sua conotação de anomalia, ou de problema comportamental a ser neutralizado somente por meio de mecanismos de controle, superando a ideia de que a indisciplina é uma questão relativa somente ao comportamento. Desse modo, o aluno indisciplinado não é apenas aquele cujas ações rompem com as regras da instituição, mas também aquele que prejudica o seu próprio desenvolvimento cognitivo, moral e atitudinal, ou seja, aquele aluno “quietinho”, que fica no seu “cantinho” e não perturba o professor, também pode ser considerado indisciplinado, pois está se negando ao envolvimento na relação pedagógica. 
Como a escola deve lidar com o aluno indisciplinado? Qual o limite da autoridade do professor e do gestor nos casos de indisciplina?
Brito: A escola do século 21 deve – ou deveria – romper com a ideia de ter dentro de sua instituição alunos “bonzinhos”, iguais e com atitudes padronizadas. Tal expectativa gera, nessas escolas, grande frustração (seja entre os gestores e mesmo entre os professores). Na sociedade em que vivemos, as diferenças, cada vez mais, estão presentes, e, como não poderia deixar de ser, essas diferenças também estão presentes em nossas escolas. Assim, as escolas devem – ou deveriam – descartar expectativas de esperar que somente os alunos considerados “certinhos” entrem na instituição. Aquela escola, que estava planificada para os alunos iguais, e quanto mais iguais, mais fáceis seriam de dirigir e controlar, não existe mais. Dentro desse contexto, a escola do século 21 deve entender que a indisciplina é uma manifestação apontada pelos alunos, que pode ser ocasionada tanto pelos discentes como pelos próprios docentes, e que interfere no processo de ensino-aprendizagem e sofre influência de fatores internos e externos à escola. Os internos são: o ambiente escolar, as condições de ensino-aprendizagem, os modos de relacionamento humano, o perfil dos alunos, a capacidade dos discentes de se adaptarem aos esquemas da escola, etc. E os fatores externos são: a influência exercida pelos meios de comunicação, a violência social, o ambiente familiar, etc. Uma das maneiras de a escola lidar com o aluno indisciplinado é saber administrar esses fatores, respeitando os espaços uns dos outros, isto é: faz-se necessário estipular até onde o gestor pode interferir e até onde o professor pode atuar diante da indisciplina escolar, mesmo reconhecendo que esses limites são tênues. Existem regras disciplinares construídas na relação pedagógica (própria do envolvimento professor X aluno) e regras disciplinares próprias da instituição escolar (que regulam o funcionamento do estabelecimento). Apesar de os espaços estarem interligados, em determinados momentos, cabe ao gestor administrar a indisciplina e, em outros, essa responsabilidade cabe ao professor. 
Até que ponto a indisciplina interfere no desenvolvimento da prática pedagógica? É possível aliá-la [a indisciplina] à prática pedagógica?
Brito: Escutamos, constantemente, em função da indisciplina, as queixas dos docentes que não conseguem desenvolver as atividades previamente planejadas, prejudicando o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Segundo essas queixas, a indisciplina dentro da relação pedagógica manifesta-se de diversas formas, porém a conversa e o deslocamento em sala, sem autorização do professor, e a falta de atenção são as manifestações que mais preocupam os docentes. Mas será que essas manifestações não querem sinalizar algum problema dentro da relação pedagógica? Quais os motivos que levam os alunos a manifestarem tais atitudes? Questões que o professor deveria realizar antes de simplesmente punir e repreender os “indisciplinados”Penso que a indisciplina escolar seja um fenômeno mais complexo que aquele visualizado no senso comum – no qual apenas os alunos são os culpados –, assim como também precisamos entender que a indisciplina escolar não apresenta uma causa única, ou mesmo principal, mas uma mistura de fatores que devem ser pensados. Sendo assim, além de causas externas ao ambiente educacional, a indisciplina também pode ocorrer pelo próprio estresse originado na relação pedagógica. Compreender os motivos e sentidos da indisciplina torna-se de suma importância para realizarmos uma leitura mais completa acerca desse tema, tendo em vista que a ausência da clareza, por parte de alguns docentes, pode intensificar e, até mesmo, originar situações de indisciplina.
Como deve ser tratada a indisciplina dentro da sala de aula? Qual a orientação aos professores?
Brito: Os professores em sala de aula devem ter consciência de que a indisciplina escolar sempre esteve presente na escola e na sala de aula, sendo assim, ela continuará a existir nesse ambiente educacional e em todas as matérias. A indisciplina se transformará, se apresentará em novos formatos, mas ainda estará lá, presente em nossas salas de aulas – queiramos ou não. Com isso, não devemos buscar extinguir esse fenômeno – pois tal busca apenas causaria mais frustração nos docentes –, todavia, necessitamos aprender a lidar com a indisciplina escolar. A indisciplina, dentro da sala de aula, deve ser olhada pelos docentes não somente como conotação negativa, mas também de maneira positiva – aquela em que ela passa a ser aliada da prática pedagógica. Ao deixarmos de analisar a indisciplina somente como um problema, podemos torná-la produtiva; ao superarmos essa visão e nos dispormos a realizar uma leitura mais profunda da indisciplina, poderemos concebê-la como um fenômeno rico de significados, capaz de elucidar e redimensionar a prática docente. Sendo assim, a indisciplina presente no contexto da escola é um elemento que pode ser pensado como oportunidade de revisão, de reflexão, como possibilidade de reinvenção da prática pedagógica das nossas escolas.
 Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/especiais/negocio-educacao/285-indisciplina-escolar
acessado em 08/10/2015
Matéria publicada na edição de maio de 2013

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