Na atual conjuntura a indisciplina é um dos fatores
que mais dificulta o desenvolvimento das atividades pedagógicas no âmbito
escolar. As causas são diversas e neste sentido a família e a escola estão em
constante embate atribuindo uma à outra a responsabilidade pela exposição de
regras para as crianças, regras estas que na maioria dos casos chegam até eles
como forma de imposição, não levando a uma reflexão uma vez que ele não
participou do processo de elaboração das mesmas.
Com objetivo de mediar este embate e sensibilizar
escola, família e comunidade para a responsabilidade de cada um no papel de
educador estamos propondo o seguinte plano de ação. Plano
este que traz em seu bojo um estudo sobre a Indisciplina
no âmbito escolar e suas possíveis causas, bem como propõe ações
para amenizar o problema.
A indisciplina representa um problema a ser pensado
sob a perspectiva da gestão escolar, pois se configura como um
complicador ao exercício do trabalho pedagógico. É preciso lançar um
olhar diferenciado sobre o problema para que se consiga descobrir em quais
momentos ela é mais acentuada e quais fatores sociais, pedagógicos e psicológicos contribuem
para que ela aconteça.
Um dos fatores apontados pelos educadores como
agravante do processo de indisciplina no âmbito escolar é a ausência de regras
ou a indisposição dos alunos para obedecê-las. A ineficiência da família em
cumprir sua função educadora é outro fator, uma vez que cada dia
mais os pais ausentam-se dos lares e tomam espaço no mercado de trabalho
delegando à escola e aos professores à responsabilidade pela educação integral
de seus filhos.
Em contra partida a ineficiência do professor no
planejamento de suas aulas se configura como outro problema. Visto que muitos
conservam uma postura inadequada frente ao aluno impondo-lhes um modelo de
ensino ultrapassado e mecânico, bem como ferindo sua autonomia e pouco
auxiliando em sua formação crítica.
A questão fundamental é a observância de regras.
Sejam elas na sociedade, no meio familiar ou escolar. A criança ou o
adolescente não pode ser indiferente a estas.
[...] crianças precisam sim aderir a regras e estas
somente podem vir de seus educadores, pais ou professores. Os ‘limites’
implicados por estas regras não devem ser apenas interpretados no seu sentido
negativo: o que não poderia ser feito ou ultrapassado. Devem também ser
entendidos no seu sentido positivo: o limite situa, dá consciência de posição
ocupada dentro de algum espaço social – a família, a escola, e a sociedade como
um todo. LA TAILLE (1996)
Partindo deste pressuposto é preciso que a escola e
a família possam trabalhar juntas para que a criança possa compreender as
regras, não como instrumento de castração, mas como condição necessária ao
convívio social.
Impor limites à criança contribui para que ela
modifique o próprio comportamento sem prejudicar sua autoestima. De acordo com
Maldonado (1986, p. 106), impor limites “consiste, essencialmente, em
‘delimitar terreno’”, para que outra pessoa saiba onde está pisando ou, em
outras palavras, possa discernir claramente o que é permitido e o que é
proibido.
Os pais ou professores não podem ter medo de impor
limites, arranjar desculpas por não fazer isso ou sentir-se inseguros ao impor
os limites à criança. Essas atitudes fazem com que eles percam a autoridade
quanto às regras impostas. Almeida (2008, p. 84) completa esse pensamento ao
afirmar que, “quando os limites são colocados à prova, a criança não pode
ganhar. Do contrário terá a certeza de que está comandando a situação”.
Vichessi (2009) entende indisciplina como
“transgressão de dois tipos de regra”:
As primeiras [regras] são as morais,
construídas socialmente com base em princípios que visam ao bem comum, ou seja,
em princípios éticos. Por exemplo, não xingar e não bater. Sobre essas, não há
discussão: elas valem para todas as escolas e em qualquer situação. O segundo
tipo são as chamadas convencionais, definidas por um grupo com objetivos
específicos. Aqui entram as que tratam do uso do celular e da conversa em sala
de aula, por exemplo. Nesse caso, a questão não pode ser fechada.
Vichessi (2009, p. 79).
A existência desses dois tipos de regras
inevitavelmente gera incompreensão por parte dos professores e dos próprios
alunos. Se determinados tipos de regra variam entre os ambientes escolares,
torna-se confuso, para a comunidade escolar, saber quais atos são de
indisciplina ou mesmo como proceder e cobrar atos de disciplina.
Embora haja comportamentos intransferíveis e
imutáveis, visto que são inerentes ao bom caráter de qualquer ser humano,
manter um ambiente de disciplina ou não cair na indisciplina requer posturas
cada vez mais voltadas à realidade do tempo em que se insere a comunidade
escolar; ou seja, não podemos adotar, como modelo disciplinar, comportamentos
vigentes no início do século XX ou nos anos 70 desse mesmo século, afinal a
realidade do mundo no geral é outra. A respeito disso, Vichessi (2009, p. 79-80)
assim se posiciona: “O movimento contínuo de construção e reavaliação de
regras, mais o respeito a elas, é a base de todo convívio em sociedade. Da
mesma forma que os conflitos nunca vão deixar de existir na vida em comunidade
– no contexto escolar especificamente –, eles também não vão desaparecer. Saber
lidar com eles faz com que você consiga trabalhar melhor [...]“.
É preciso buscar a causa que desencadeia a
(in)disciplina, para escolher estratégias que serão aplicadas antes mesmo das
consequências. Para Vichessi (2009, p. 80), “não adianta exigir que os alunos
cumpram as tarefas, se a estratégia de ensino e o tema não dizem nada a eles”.
É preciso, portanto, que as crianças compreendam
por que seguem determinadas regras, mesmo que sejam impostas por terceiros.
Devemos direcioná-las à essência de tais regras, a fim de que possam
reelaborá-las de acordo com a situação vivenciada. Tal reelaboração não é
sinônimo de falta de autoridade. “A autoridade é fundamental para o bom
andamento das relações” (VICHESSI, 2009, p. 80).
Groppa (2002, p. 22) também comenta que seguir ou
transgredir regras são atitudes preventivas ou geradoras de indisciplina,
podendo desencadear situações de violência. Por exemplo:
[...] quando alguém, por vontade própria,
causa danos à dignidade de outra(s) pessoa(s). Isso pode ser feito de maneira
explícita, por exemplo quando atentamos contra a integridade física do outro ou
seus bens materiais ou de matéria simbólica, como quando afrontamos sua
integridade moral ou sua participação social. Contra a primeira, temos o
direito. Contra a segunda, apenas a ética democrática [...].
No cotidiano escolar, a indisciplina é consequência
da violência latente ou explícita, que a cada dia se externa com mais
frequência, desde situações em que impedimos a participação equitativa de todas
as crianças e jovens no dia a dia escolar ou desconfiamos de suas
potencialidades, recusando-nos a oferecer o que lhes é de direito, até atos que
colocam em risco a autoestima positiva de determinados alunos.
Nesse turbilhão de procedimentos e consequências,
ser professor, nos tempos atuais, está cada vez mais complicado, uma vez que
muitos são os desafios encontrados nessa profissão. Talvez fosse melhor
substituir o termo “professor” por “educador”, uma vez que esse tipo de
profissional tem que estar preparado para a realidade a ser enfrentada: saber
lidar com os problemas que vão surgindo ao longo da carreira. Desde o início da
carreira, logo se percebe que o que funciona com uma turma não funciona com a
outra, o que funcionava no passado já não tem êxito no momento presente.
Vivemos em um mundo em constante mudança e
precisamos compreender isso, para adequar nosso dia a dia à realidade
enfrentada perante atos considerados como indisciplina, ultrapassando assim os
obstáculos que encontramos. Parece ser algo simples, mas não é bem assim, se
levarmos em conta a falta de consideração e respeito com que a sociedade trata
o professor.
Então, quando se deparam com problemas geradores de
indisciplina, muitos professores não sabem o que fazer. Alguns pensam que devem
ser radicais e não devem tolerar nenhuma atitude que demonstre desrespeito à
sua autoridade; outros pensam que, sendo “camaradas”, “liberais”, não terão que
enfrentar tais problemas; outros, ainda, conformam-se e deixam tudo como está.
A perda de autoridade do professor tanto no que se
refere ao conhecimento, quanto à postura em sala de aula também é um
gerador de indisciplina. É comum observar que nas salas em que o professor
esta motivado e utiliza uma metodologia que desafia o aluno estimulando-o para
a produção de seu próprio conhecimento a indisciplina é pouco recorrente.
“o comportamento indisciplinado esta diretamente
relacionado a ineficiência da pratica pedagógica desenvolvida: metodologias que
subestimam a capacidade dos alunos, constantes ameaças visando o silencio da
turma”. REGO (1996, p.100)
É também fato constatado que na atual conjuntura o
aluno não aceita mais o modelo de educação retrograda e ultrapassado onde ele é
um ser passivo e precisa desenvolver atividades de forma mecânica. Visto neste
modelo mecanicista ele se rebele e reage de maneira pouco amistosa desafiando o
professor visto aqui como alguém que deseja impor sua força, seu poder, sua
autoridade. Contudo não se pode apontar apenas este fator como causador da
indisciplina crescente, pois é sabido que o meio social em que a criança está
inserida também contribui para seu desajustamento. A mídia, os modelos estereotipados
e a negligência familiar causam um dano enorme ao espaço escolar uma
vez que a criança chega sem limites e é preciso que o professor e equipe
pedagógica envolvam esforços para ensiná-las princípios que deveriam ser
ensinados em casa por seus familiares.
“a indisciplina em sala de aula não se deve
essencialmente as falhas da pedagogia, pois esta em jogo o lugar que a escola
ocupa hoje na sociedade, o lugar que a criança e o jovem ocupam, o lugar
que a moral ocupa”. LA TAYLE(1996)
Visto por este lado o fator indisciplina tem uma
raiz bem mais profunda ela está no meio, na sociedade e na inversão de valores
morais.
Vasconcellos (1997) em seu livro “Os desafios da
Indisciplina em Sala de Aula”, lança um olhar sobre este tema mostrando sua
complexidade e evidenciando a necessidade de enfrentamento conjunto entre as
diversas áreas do conhecimento, como a Sociologia,
Antropologia, Psicanálise, Ética, Política, Psicologia, Economia, História,
Tecnologia, Comunicação Social. Outro ponto colocado no livro é a sensação de
não poder dos educadores descrita abaixo
A sensação de não-poder talvez seja hoje um dos
maiores obstáculos epistemológicos a serem enfrentados. É impressionante como o
professor acabou assimilando a ideia de que não tem forças, de que não pode, de
que a solução dos problemas está fora dele.
Muitas vezes, sente-se desgastado, destruído,
traído, usado, acusado, desprezado, humilhado, explorado. Neste contexto,
colocar a "culpa" fora dele pode ser a saída inconsciente de
autoproteção, não por ser relapso, mas sim porque no fundo acha que não pode,
não tem força para mudar. Quando questionado sobre os problemas, vai logo
apontando: "É a família", "É o sistema". Ao fazer isto,
esvazia sua competência profissional e existencial; perde o senso crítico, pois
não consegue se situar diante do real; perde a autoridade, já que não é
responsável por nada. Está marcado pelo impossível, pelo não-poder.
Frequentemente, o colocado por ele como condição para iniciar a caminhada é
justamente o resultado de um processo de lutas e conquistas.
É necessário, portanto abordar o tema considerando
sua complexidade e os obstáculos que se agigantam no meio do caminho, contudo
assumindo cada um sua responsabilidade e comprometendo-se em observar o espaço
escolar continuamente, fazer investigações para que a realidade uma vez
percebida de diversas formas possa ser mudada. Neste processo faz se
necessário trabalhar a relação professor-aluno estreitando laços, e
criando junto com os educandos as regras de convivência do espaço escolar para
que se sintam parte de uma organização, de um sistema, de uma instituição.
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