quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Que atitude tomar quando a conversa não resolve mais?

Que atitude tomar quando a conversa não resolve mais?

Flávia Vivaldi
Foto: Shutterstock
Embora formar alunos autônomos seja um objetivo comum entre os educadores, muitas dúvidas ainda pairam sobre as práticas do dia a dia. Por exemplo, não raro ouço a seguinte pergunta: “Já tentei conversar, mas não tem funcionado. O que devo fazer?”. Começo dizendo que a resposta para essa questão está no conhecimento sobre os tipos de sanções e as respectivas consequências na formação do sujeito.
Em geral, nossa formação pautou-se por uma relação em que a obediência ao adulto era inquestionável. Portanto, diante de uma situação de descumprimento à regra ou de rebeldia, a criança enfrentava as consequências impostas e que eram reconhecidas como favoráveis para a sua Educação. Eram os castigos ou, segundo Jean Piaget (1896-1980), as sanções expiatórias. Ir para o quarto mais cedo, ficar sem ver TV, perder o recreio ou ficar sem a hora do parque foram alguns dos castigos experimentados por muitos de nós e que ainda são amplamente utilizados pelas famílias e na escola.
Entretanto, do ponto de vista da psicologia moral, sabemos que consequências desvinculadas do ato não trazem a tomada de consciência necessária no processo de construção da personalidade ética. Os castigos acabam agindo sobre as pessoas e não sobre os comportamentos. “Mas não é a mesma coisa?”, você poderia perguntar. Na verdade, não. O castigo serve para que o indivíduo cumpra uma pena para causar sofrimento, com o objetivo de que ele obedeça  novamente às regras e não repita a ação. No entanto, pela relação entre o delito e a sanção utilizada ser arbitrária, após cumprir a pena, o sujeito se sente livre para repetir os mesmos atos, sem que tivesse parado para pensar que poderia agir de outra maneira. Até porque a tomada de consciência é favorecida quando não há um sentimento negativo que possa inibi-la. Por exemplo: se a criança, o jovem, o adolescente ou o adulto se sentir humilhado e/ou injustiçado com o tipo de sanção aplicada, seus sentimentos dificultam uma reflexão acerca do próprio comportamento, gerando ainda mais raiva, indignação e rebeldia.
Se a ideia é buscar uma reparação, seja ela física, emocional ou social, precisamos pensar em uma sanção que aja sobre o comportamento e seja mais desejável e justa para todos os envolvidos. Piaget as chamou de sanção por reciprocidade.  Elas preveem acoerência entre causa e consequência e são menos coercitivas, incidindo na ruptura do elo social e posicionando o infrator a respeito da natureza e das consequências de sua violação nas relações com as outras pessoas. Além disso, auxiliam na coordenação das diferentes perspectivas, o que permite ao sujeito colocar-se no lugar do outro e perceber o ponto de vista daquele que sofreu o efeito de sua ação.
E quais seriam as sanções por reciprocidade? Abaixo, falo sobre alguns tipos, mas, antes, ressalto que a aplicação delas deve ser precedida de alertas descritivos que não podem ser confundidos com ameaças.
- Excluir temporariamente do grupo ou da atividade: depois de fazer alertas do tipo “sua atitude não está contribuindo com o trabalho, podemos contar com sua colaboração ou prefere ficar fora dela?”, afastar o aluno por alguns minutos.
- Privar de alguma coisa que foi quebrada: deixar as crianças sem usar algum objeto, explicando o motivo: “O uso desse objeto depende também da sua conservação. Dessa vez, não poderei emprestar até que você consiga usá-lo sem estragar”.
- Permitir a intervenção dos pares: normalmente, os próprios colegas afastam ou impedem quem não agiu de maneira positiva de participar da atividade ou da brincadeira, uma consequência natural e extremamente importante para provocar a reflexão do infrator.
- Encorajar a reparação: diante de um dano causado pelo aluno, seja na tarefa de um colega, no mobiliário ou a alguém, é preciso incentivar, por meio de perguntas do tipo “Como você pode fazer para que ele se sinta melhor?”, a busca por soluções, entre as quais estão limpar algo que sujou, fazer o orçamento de algum serviço de reparo a um dano que causou e auxiliar nos curativos de um ferimento que provocou.
- Censurar sem punir: quando uma regra é violada, segundo Piaget, basta que a ruptura do elo social, provocada pelo culpado, faça sentir seus efeitos; em outras palavras, basta colocar para funcionar a reciprocidade. Atitudes que atrapalham a aula, por exemplo, precisam ser apontadas e relacionadas à quebra do contrato social de aprendizagem. Nesse caso, o próprio grupo intervém e rompe com o par. Ou seja, situações em que a confiança do grupo é abalada por comportamentos negativos, vale usar a reciprocidade social.
Não há dúvida que muitos profissionais confiem e se sintam mais aliviados com castigos e punições. Mas precisamos sempre voltar à nossa pergunta norteadora: “Queremos educar para a autonomia?”. Se sim, as sanções devem ser revistas para funcionarem como consequência dos atos, buscando reparação, e não como castigos.
Fonte:http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/aluno-em-foco/2015/08/28/que-atitude-tomar-quando-a-conversa-nao-resolve-mais/
acessado em 05/11/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário