Escola é lugar de punição ?
30/10/2015 - Flávia Vivaldi
Foto: Shutterstock

Confesso a vocês que a notícia me desestabilizou! Não em função das teorias que utilizamos para fundamentar nosso trabalho, mas pelo temor sobre o que está por trás desse projeto: a convicção de que o controle se dá pela punição.
Ao ler a matéria fiquei ainda mais preocupada por constatar que a iniciativa partiu da Promotoria da Infância e da Juventude. Isso nos leva a supor que a escola, de fato, não sabe mais o que fazer e precisa recorrer a instâncias externas.
Outro ponto que me chamou a atenção foi a explicação do promotor: “Dentro desse programa, com a força dessa lei, nós aplicamos [a punição] quase que imediatamente. Dentro de 48 horas, no máximo, o aluno está sendo levado a uma ação pedagógica, para reparar esse dano (sic)”. Fica evidente, por meio dessa fala, que a própria promotoria tem ideias absolutamente contrárias àquelas que defendemos em relação às sanções favoráveis para o desenvolvimento da autonomia. Como assim ação pedagógica para reparar? Elas só seriam pedagógicas se estivessem relacionadas ao dano causado, havendo, portanto, a força da reciprocidade em sua aplicação.
Além disso, também é extremamente questionável a escolha da punição, uma vez que ao qualificar a limpeza da instituição como punição aos infratores, considera-se essas tarefas, ou até os responsáveis por elas, como inferiores – afinal, se não fossem vistas dessa maneira, não seriam as escolhidas para castigar. É lastimável! Enquanto países como o Japão trabalham para a formação integral do ser humano, incluindo no currículo, desde a Educação Infantil, as tarefas de limpeza dos ambientes coletivos como uma responsabilidade de todos, no Brasil temos atitudes como essa, que deslocam uma atividade que deveria ser compartilhada para o lugar da PUNIÇÃO.
Eu não tenho dúvidas de que há por parte dos envolvidos – instituições de ensino e promotoria – boas intenções. No mínimo, visam oferecer para a comunidade escolar um ambiente menos conflituoso e desrespeitoso. O que me causa inquietação é o significado de atitudes como essas, ou seja, o fato de ser um trabalho mais voltado para obediência do que para a autorregulação. E isso nem sempre é levado em conta pelos órgãos competentes. Minha sensação é de estar fazendo uma viagem ao passado, quando o lema da Educação era a obediência e o cumprimento das convenções sociais.
Diante disso, me surgem diversas perguntas: Queremos ou não uma transformação social? Acreditamos ou não na Educação como possibilidade de mudança? Qual é a Educação que transforma: a que adestra ou a que provoca reflexão, autorregulação e implicação na vida social?
Com todo o respeito às instituições que estão legalizando a punição das infrações nos ambientes escolares, mas quando nem elas têm o conhecimento sobre os diferentes tipos de conflito, de maneira que classificam todos eles como indisciplina, concluo que se deseja mais do que tudo a disciplina no sentido stricto: submissão e obediência à autoridade.
Desse jeito, não há como alcançar, como todos nós almejamos, o objetivo de formar sujeitos autônomos, críticos e engajados com as diferenças sociais. O máximo que conseguimos é a manutenção da heteronomia. E o que isso significa? Que os sujeitos serão guiados pelas consequências e/ou recompensas provenientes de seus atos, ou seja, agirão por interesse e não em nome dos princípios morais necessários à convivência humana respeitosa.
Defendo, portanto, que as escolas tenham clareza sobre os objetivos expressos nos discursos e documentos oficiais, compreendam como eles se relacionam com os princípios da instituição e reflitam sobre a coerência entre eles e as ações desenvolvidas.
Fonte:http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/aluno-em-foco/2015/10/30/escola-e-lugar-de-punicao/
acessado em 05/11/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário