quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Escola preparada para a Educação 3.0


Na tecnologia, quando um programa de computador ou um aplicativo recebe uma atualização, esta é designada geralmente por um número: 1.0, 2.0, 3.0 etc. Isso significa que o software em questão teve eventuais erros corrigidos e também recebeu melhorias. Com a crescente digitalização da sociedade, esse tipo de nomenclatura (antes resignada à área da informática) acabou sendo adotada por outros campos e também pela educação. Em 2007, o professor Derek Keats, da Universidade de Witwatersrand, de Johanesburgo (África do Sul), cunhou o termo Educação 3.0 para definir o processo de ensino que faz intenso uso das novas tecnologias e o impacto do aprendizado colaborativo e personalizado que surgiu com a crescente disseminação da internet, a reutilização de conteúdos de aprendizagem e o reconhecimento desse aprendizado por meio de métodos formais ou informais. A Educação 3.0, portanto, não se trata apenas da utilização de computadores, tablets e smartphones no cotidiano da escola. É preciso ir além. O professor norte-americano Jim Lengel, da Universidade de Nova Iorque, define, em um artigo publicado em seu próprio site, seis grandes metas que a Educação 3.0 estabelece para as escolas: os alunos devem trabalhar em problemas que valham a pena resolver; alunos e professores produzem em conjunto; os estudantes desenvolvem pesquisas autodirecionadas; eles aprendem como contar uma boa história; estudantes empregam ferramentas apropriadas para a tarefa; e os alunos aprendem a ser curiosos e criativos. Estabelecidos esses objetivos, como a escola pode “evoluir” e adotar plenamente a Educação 3.0?

Para Luciana Allan, diretora do Instituto Crescer para a Cidadania, especialista em Tecnologias Aplicadas à Educação e colunista da Profissão Mestre, o pontapé inicial desse processo está em repensar a pedagogia, uma vez que as tecnologias são apenas o estopim para que ele ocorra, e não apenas a única mudança necessária. “É chegado o momento em que a gente precisa rever o trabalho que estamos fazendo na escola. Não dá mais para a gente pensar e organizar as práticas educacionais conforme um processo de ensino que foque na transmissão de conteúdo”, afirma Luciana, que defende o foco no ensino de competências como chave para esse novo projeto pedagógico. “Quando falamos de competências e habilidades, não falamos somente de competências básicas, aquelas que já são valorizadas há muito tempo, como leitura, escrita, raciocínio lógico, busca de informações e trabalho em equipe. Essas eu já considero tradicionais, mais do que necessárias, mas hoje temos uma série de outras competências que precisam ser desenvolvidas no aluno e precisamos de tempo para fazer isso: para trabalhar a criatividade, o empreendedorismo, a inovação etc.”, explica.

Concomitantemente a isso, é necessário também entender quem está sentado nas salas de aula, ou seja, os novos alunos chamados de nativos digitais. É isso que defende Romero Tori, engenheiro e professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Universitário Senac de São Paulo. “É preciso ouvi-los. Há escolas que já saíram na frente e criaram comissões de alunos que opinam sobre os processos pedagógicos, dão feedback sobre os métodos usados pelos professores e ajudam a incorporar a tecnologia no dia a dia do aprendizado”, exemplifica Tori. O professor também defende a revisão do projeto pedagógico da escola, mas destaca a capacitação dos professores para lidarem tanto com as novas tecnologias como com as novas práticas. “Formação de professores é importante, mas não da forma como se tem feito. Ensinar novas tecnologias aos professores é como enxugar gelo.
Assim como sabemos da importância de ensinar nossos alunos a aprender, os professores precisam ser capacitados para assimilar as novas tecnologias sozinhos, o que não significa dominá-las totalmente”, diz o educador. O professor Carlos Eduardo Querido, especialista em Educação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e diretor dos colégios integrados Oswaldo Cruz-Pais Leme e da Escola Técnica Oswaldo Cruz, também acredita que “o grande desafio é a formação da equipe docente, porque são os professores que vão conduzir todo esse processo”.

Outro ponto levantado por Querido é a sensibilização e a conscientização da comunidade, algo que, na opinião do educador, irá contribuir consideravelmente para a escola adotar esse novo modelo pedagógico. “Se a comunidade entende o que significa dar esse salto tecnológico e acompanhar as mudanças que acontecem na sociedade – e a escola faz parte dela –, esse é um dos principais pontos”, afirma. Entretanto, o que ainda se observa são instituições que se esforçam bastante para compreender esse cenário ainda inédito no ensino e, consequentemente, que se apegam ainda aos métodos e aos modelos antigos. “Se a gente for usar a terminologia tecnológica novamente, podemos dizer que algumas escolas, no uso da tecnologia, ainda são escolas 1.0; as famílias estão caminhando para uma fase 2.0; e os alunos já são nativos digitais, já são 3.0”, resume o diretor dos colégios Oswaldo Cruz. Para Luciana, esse choque é um procedimento momentâneo pelo qual as escolas precisam passar, pois se trata de um movimento ainda muito recente. “Até muito pouco tempo, o ensino que fazia sentido era o da educação bancária: todo mundo aprendendo a mesma coisa, ao mesmo tempo. Todo o processo de ensino era baseado no livro didático. Toda pesquisa que você tinha que fazer era com base em enciclopédias, revistas, jornais. Todo esse processo de pesquisar pela internet é muito novo. Há quanto tempo temos a internet disponível com uma qualidade melhor, com uma gama mais ampla de conteúdo? Estou falando de cinco anos para cá. A sociedade ainda está mudando, se adaptando e encontrando o seu ponto de equilíbrio, e na educação não é diferente”, explica a especialista.

Na sala de aula...

Depois da sensibilização e do preparo efetivo dos educadores, como fazer bom uso das tecnologias e dessa nova pedagogia? O ideal, segundo os especialistas, é dar liberdade para o professor utilizá-las. “Basta permitir e viabilizar, além de capacitar. A partir daí, com a evolução e a renovação do projeto pedagógico, naturalmente a internet passará a ser cada vez mais incorporada ao ferramental dos professores”, defende Tori, que também acredita em exemplos de sucesso para popularizar o uso das ferramentas: “O efeito exemplo (colegas bem-sucedidos incentivam os próximos a também adotarem) contribuirá para a adoção cada vez maior desses recursos”. A opinião do professor da USP também é apoiada por Querido, que destaca como esse trabalho da Educação 3.0 tornou-se necessário aos professores. “É o professor que vai definir o melhor momento para fazer uso da internet. O importante é percebermos que não dá para trabalhar sem fazer o uso dela”, complementa.
Luciana Allan ressalta que, sem um bom planejamento, nenhuma atividade com os computadores e tablets será bem-sucedida. “As atividades têm que ser muito bem planejadas, os alunos têm que ter de forma muito clara os objetivos naquele momento. Eles têm que desenvolver um trabalho com tempo definido, com um desafio muito claro, e aí se envolver e pesquisar o que for necessário. Se você coloca objetivos muito claros, delimitadores de tempo, e os desafia, os alunos não vão fazer o que não devem”, explica a diretora do Instituto Crescer, que também aponta um novo papel do professor dentro da sala de aula: o de mediador do conhecimento, e não o de mero instrutor. “A tendência é que cada vez mais ele seja moderador de um processo de aprendizagem. É ele quem dá o direcionamento, quem instiga, orienta, ajuda a avaliar a confiabilidade de uma informação, faz aquelas perguntas capciosas para os alunos, instigando-os a pensar mais sobre o assunto”, considera Luciana. Ela também cita o movimento bring your own device (em português, traga seu próprio dispositivo), tendência que já existe no exterior, em que os alunos trazem seus notebookstablets e smartphones em vez de usarem os equipamentos da escola. “Se o aluno tem, por que ele não pode usar?”, questiona.

Outro ponto levantado pelos três educadores é a necessidade de ensinar para os alunos como pesquisar na internet e os riscos que uma navegação sem orientação e consciência pode trazer. “Fala-se muito da interatividade que a internet traz, da questão da colaboração. Isso é verdade, mas, ao mesmo tempo, nem tudo que está ali é interativo e educativo”, afirma Carlos Querido. Para o aluno ter esse discernimento, é papel do professor ensiná-lo, conforme diz Luciana. “Assim como você trabalha metodologia de pesquisa em livros e em outras mídias, você tem que ensinar o aluno a pesquisar na internet, tem que mostrar para ele quais são os buscadores, como se faz pesquisas mais eficientes, como se avalia a confiabilidade de uma informação, como se referencia no trabalho a pesquisa que você fez na internet, como que se registra essa ‘webliografia’ etc.”, elenca.

...e fora também

Reformular uma escola para adaptá-la à Educação 3.0 requer também medidas que a tornem mais presente como instituição na internet, uma vez que, conforme definição de Romero Tori, “trata-se do mais importante meio de comunicação que temos hoje. Já superou a televisão, o cinema, os jornais, o telefone e as bibliotecas”. Carlos Querido concorda e diz que “é praticamente impensável a gente não ter presença na internet, porque hoje ela se mostra um dos canais mais utilizados de comunicação e que permeiam a vida privada de cada um de nós”.
Para poder estabelecer uma comunicação eficiente na internet, no entanto, a escola deve planejar bem e pesquisar como e quais são os públicos para os quais ela deseja falar. “A escola tem que analisar, primeiro, quem são os seus públicos e aí pensar para cada um deles quais canais de relacionamento são possíveis de estabelecer com cada um deles e para aonde ela vai direcionar sua comunicação”, explica Luciana Allan. A diretora do Instituto Crescer cita algumas ações práticas que as escolas podem adotar para incrementar sua comunicação externa. “Para os pais, por exemplo, pode ser interessante uma comunidade fechada no Facebook, em que se possa passar informações sobre os eventos que a escola tem, contar um pouco sobre o trabalho que ela está fazendo, compartilhar fotos dos eventos dos alunos. Essa é uma ferramenta legal. Você pode criar grupos de trabalho dos alunos com os professores também”, afirma a especialista. As redes sociais também são destacadas por Tori como essenciais para melhorar a sensação de pertencimento e orgulho dos estudantes em relação à escola. “As redes sociais podem ser usadas para aumentar o engajamento dos alunos e de suas famílias. Com maior sentimento de pertencimento e maior sensação do impacto que seus projetos podem provocar em seu círculo de relacionamentos, o aluno sente-se mais motivado”, afirma o professor da USP.

Luciana também destaca uma ferramenta ideal para atrair novos alunos e suas famílias. “Para o público externo, de forma geral, há ferramentas como o Wordpress, em que você pode manter um canal de comunicação mais atualizado, diferente de um site estanque, pois ali dentro você pode atualizar informações sobre a rotina da escola que ajudam a dar visibilidade ao trabalho que a escola faz”, esclarece.

A pedagogia da Educação 3.0

Resolução de problemas que valem a pena

Isso não significa resolver as questões tradicionais que ocupam o tempo das aulas atualmente. Os alunos devem solucionar problemas que a sociedade precisa resolver para avançar. Eles precisam trabalhar em conjunto para estudar questões que sejam tanto de interesse público como acadêmico. Caso esse processo demande o aprendizado de algum conteúdo tradicional (como equações matemáticas ou fórmulas da física), os estudantes deverão aprendê-lo, mas não de maneira isolada, e sim inserida em um contexto maior.

Trabalho produtivo em grupo

Os alunos raramente trabalham sozinhos; geralmente, cada um é responsável por um aspecto do trabalho do grupo. Eles usam as ferramentas digitais de comunicação para colaborar com professores, especialistas e colegas ao longo do trabalho. Essa rotina se assemelha à dos adultos nos escritórios e laboratórios.

Pesquisas autodirecionadas

As pesquisas são direcionadas à resolução dos problemas já descritos e quase sempre são originais. Dificilmente um grupo estuda o mesmo tópico do ano anterior ou a turma toda pesquisa o mesmo assunto. As fontes de estudo também aumentam gradativamente por meio de arquivos e redes digitais.

Contação de histórias

Explicar, publicar, apresentar e convencer são habilidades importantes para todos os estudantes na Educação 3.0. Ao longo de toda sua carreira acadêmica, eles são obrigados a compor, preparar e expor ideias por meio de apresentações em público, reuniões e debates – tal qual no ensino superior e no mercado de trabalho.

Uso das ferramentas adequadas

Lápis e papel são coisas do passado. Em vez disso, os alunos agora devem usar ferramentas que sejam mais adequadas para a resolução dos problemas: computadores, calculadoras, dispositivos móveis (como smartphones tablets) etc. Aprender a trabalhar com programas de computador também é essencial.

Ser curioso e criativo

Em uma escola 3.0, curiosidade e criatividade são hábitos da mente e métodos de trabalho que precisam ser ensinados, praticados e incentivados em todas as áreas de ensino. Sem essas características, os estudantes encontrarão mais dificuldades para obter sucesso no ensino superior e no mercado de trabalho. O ideal é que todo dia os alunos terminem as aulas com uma sensação de fascínio sobre o que foi aprendido ao longo do dia.


Publicado em 16 Dezembro 2014
Acessado em 16/09/2015
Fonte: http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/gestao/973-escola-preparada-para-a-educacao-3-0

Fonte: Princípios da Educação 3.0, escrito por Jim Lengel. Disponível em:lengel.net/ed30/principles.html (texto em inglês).

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