terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Os mosaicos da gestão escolar

Certa vez, no aeroporto de Porto Alegre, num desses atrasos de voo que encaro com frequência, comecei a observar mais cuidadosamente a decoração do lugar e notei, em detalhes, a beleza e a técnica com que foram construídos os mosaicos que decoram a sala de embarque. Ao observar as figuras de certo ângulo e distância, pude pensar mais detidamente na genialidade da estratégia de construção dos mosaicos. Só conseguimos ver o todo sob alguns ângulos ou se nos afastarmos. Ao ficarmos muito próximos, não distinguimos a figura e temos a sensação de uma imagem confusa e embolada. Para passar o tempo, fiquei me aproximando e me afastando dos mosaicos, quando, numinsight, veio-me à mente o processo de gerir uma escola.
Uma pesquisa da Fundação Victor Civita, realizada com milhares de gestores escolares brasileiros,constatou que a principal característica da gestão escolar em nosso país é envolver-se em caráter cotidiano e permanente com as questões e os processos operacionais da escola. Nessa pesquisa, gestores afirmaram não atuarem na esfera estratégica porque o cotidiano consome todo o tempo. “Quando vejo, já está no final do dia e não consegui fazer quase nada”, afirma grande parte deles. Esclareçamos a analogia com os mosaicos. Ao mergulharem e permanecerem tão perto dos problemas cotidianos, os gestores não conseguem ver o todo de sua escola e, com isso, muitas vezes não encontram as reais soluções para os problemas, trabalhando com paliativos que, em geral, provocam novos problemas. Uma postura estratégica exige que possamos ver o processo como um todo, pois só assim conseguiremos perceber as reais causas dos problemas. Quem está mergulhado no problema geralmente não consegue enxergar a solução. A atitude do gestor precisa ser semelhante àquela que eu estava tendo naquele aeroporto: aproximar-se e afastar-se em diferentes ângulos para perceber o mosaico de perto e de longe.
Não estamos dizendo que o gestor não deve se envolver nas questões cotidianas da escola. Estamos, sim, enfatizando a importância de sua postura ao envolver-se com tais problemas. Estamos dando destaque ao olhar específico que ele precisa ter em relação ao que vê. Deixar-se envolver completamente pelo cotidiano da escola é uma atitude compreensível, mas que impede o real processo de gestão. É como se todos, incluindo o gestor, estivessem mergulhados nos problemas e nos conflitos. Quando isso ocorre, é preciso que chegue alguém “de fora” para conseguir enxergar as reais causas e as possíveis soluções. Ao envolver-se com os problemas cotidianos, o gestor escolar deve manter o olhar de observação e análise para depois e, ao afastar-se, ter condições de perceber a questão inserida no todo de forma sistêmica. Ao se envolver no recreio, por exemplo, deve fazê-lo com o objetivo de identificar possíveis problemas ou oportunidades de melhoria no processo. Ao afastar-se, terá melhores condições de definir o que fazer. Mas se passa a se envolver todos os dias no recreio da escola, acaba consumido pela miopia do cotidiano.
A principal característica do gestor é exatamente esta: a capacidade de inserir-se nos processos para conhecê-los a fundo e afastar-se deles para analisá-los, ao mesmo tempo, com lógica e bom senso. O segredo está no olhar. O gestor deve envolver-se no cotidiano, mas estar constantemente atento à sedução de ser absorvido por ele. Lembremos: mosaicos só são vistos num movimento constante de aproximar-se e afastar-se.

Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/colunistas-ge/julio-furtado/1187-os-mosaicos-da-gestao-escolar
acessado em 01/12/2015

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