quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Em busca da valorização do professor


Plano de carreira, melhores condições de trabalho e cumprimento do piso salarial são medidas que tornariam a profissão mais atraente
A história já é conhecida de muitos professores brasileiros: acordar cedo, enfrentar aulas e mais aulas em uma escola com infraestrutura aquém do ideal para, depois de uma manhã, uma tarde ou um dia inteiro, apenas mudar de colégio e repetir a rotina com novas turmas. A ausência de um plano nacional de carreira para professores tem feito os docentes se desdobrarem para conseguir melhores condições de vida. Entidades do setor já têm consciência disso, uma vez que a Meta 18 do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho de 2014, prevê que, no prazo de dois anos (ou seja, até meados de 2016), o país tenha planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e que, no plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, seja tomado como referência o piso salarial nacional profissional. No entanto, com mais da metade do prazo estipulado pelo documento já percorrido, os educadores brasileiros ainda estão longe de contar com um plano de carreira bem estruturado e condizente com a realidade deles. “Ter plano de carreira para professores é fundamental: um profissional bem remunerado, com condições de trabalho adequadas, formação continuada e [possibilidade de] ascensão na carreira tem melhores condições de desenvolver o trabalho docente”, afirma Patrícia Cristina Albieri de Almeida, pedagoga e professora da Universidade Católica de Santos (Unisantos) e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC).
Para a professora Marta Vanelli, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), “o plano de carreira é um instrumento importante não só para valorizar o trabalho dos profissionais da educação, mas também para promover a qualidade da educação pública”. A ausência dele tem gerado problemas indigestos para a educação, na opinião de Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do movimento Todos pela Educação (TPE). “Um deles é o fato de muitos professores temporários estarem há muito tempo nessa condição. São professores que não fazem parte do quadro estável”, afirma Alejandra, que destaca as poucas possibilidades de evolução na carreira como outro grande problema para os docentes. “A gente vê o que se chama de achatamento da carreira: o professor entra com certo salário e ele sai basicamente com o mesmo salário. Ele tem poucas possibilidades de evolução de carreira sem sair da sala de aula, o que é outro problema na gestão”, explica. “O professor, para progredir na carreira, pode fazer isso se tornando coordenador ou diretor ou indo para cargos administrativos. Como professor, ele só avança profissionalmente ficando no mesmo cargo, envelhecendo”, lamenta. Dados da pesquisa Conselho de Classe, realizada pela Fundação Lemann com apoio do Instituto Paulo Montenegro, que entrevistou mil professores do ensino fundamental da rede pública no 2º semestre de 2014, mostram que 74% dos docentes entrevistados sentem que ganham salário inferior ao de outros funcionários públicos com ensino superior e 72% se sentem subvalorizados em relação a funcionários de empresas privadas com o mesmo nível de educação. Essa percepção ocorre na realidade. De acordo com dados do Observatório do PNE, em 2013 o rendimento médio dos professores de educação básica em relação ao dos demais profissionais com a mesma escolaridade correspondia a 57,3%. A meta é, em 2024, chegar a 100%.
Um plano nacional de carreira também ajudará na diminuição das distorções regionais da remuneração dos docentes. De acordo com Binho Marques, secretário de Articulações com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (MEC), em debate na Câmara dos Deputados em maio de 2015, apenas 13 estados e o Distrito Federal cumprem com o piso salarial estipulado para 2015, que é de R$ 1.917,78. Para Alejandra, essas diferenças são um grande obstáculo que ainda precisa ser superado. “O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] foi, sem dúvida, um indutor da redução da desigualdade nos investimentos em educação, mas temos ainda municípios que vivem desse repasse per capita. Por outro lado, há municípios que complementam com bastante recurso esse [repasse] mínimo do Fundeb”, explica a representante do TPE. “Enfrentamos a mesma situação com o piso salarial [dos professores]. O piso salarial vai garantir um mínimo quando todos o aplicarem, mas não significa que as desigualdades vão deixar de existir”, acrescenta Alejandra. Marta Vanelli, por sua vez, relembra a proposta do CNTE, aprovada na 2ª Plenária Intercongressual da Confederação, em agosto de 2015, que prevê o estabelecimento de piso salarial e diretrizes nacionais para os planos de carreira de todos os entes filiados à confederação e para todos os profissionais da educação. Tanto o piso como a carreira devem ter como referência a formação profissional dos educadores e seu financiamento se daria por meio da implementação do Custo Aluno Qualidade (CAQ), previsto no PNE. “O CAQ visa equalizar o atendimento escolar no país, por meio de um ‘custo-aluno’ per capita que contemple os insumos indispensáveis à oferta de educação de qualidade. A valorização dos trabalhadores em educação inclui o CAQ”, explica a secretária-geral do CNTE.
Além do salário
A pesquisadora da FCC Patrícia Almeida lembra que o processo de valorização da carreira docente, contudo, não se limita ao aumento da remuneração e ao cumprimento do piso salarial. “O esforço deve ser nesse sentido; entretanto, ainda há muito por fazer. A questão da falta de reconhecimento social desse profissional ainda é forte, há um senso de injustiça que percorre a categoria. É preciso lembrar que propiciar a qualidade de ensino perpassa pela estruturação da carreira do magistério”, afirma a pedagoga. Patrícia destaca uma série de ações que deve ser realizada paralelamente ao aumento do salário para valorizar a profissão, como repensar a formação inicial e continuada dos professores, fortalecer os cursos de licenciatura nas universidades e estruturar centros de formação de docentes similares às escolas de Direito e de Medicina (confira no box outras sugestões da especialista). “É urgente o desenvolvimento de políticas que tenham como prioridade não só a valorização do magistério, visando evitar o declínio da profissão docente, mas [garantir] que as pessoas que optem pela docência sejam de fato assistidas em sua formação inicial e em seu desenvolvimento profissional”, afirma.
Alejandra considera que as condições de trabalho também são um elemento importante para a melhoria da carreira docente. “A possibilidade de se exercer a profissão com condições ideais de infraestrutura na escola, um bom clima – o que depende do diretor – e recursos que a gestão disponibiliza são fatores importantes”, diz a coordenadora do TPE. Marta defende uma série de outras medidas para ampliar o reconhecimento da importância dos docentes, como fortalecimento dos projetos político-pedagógicos das escolas, democratização da gestão dos sistemas de ensino, combate à violência nas escolas, implementação de um sistema de atendimento à saúde física e mental dos educadores, garantia de acesso à qualificação profissional permanente, respeito à lei do piso sem redução de direitos nos planos de carreira e garantia da jornada extraclasse dos professores. “São ações que já contam com previsão legal, mas que encontram muitas barreiras para serem efetivadas”, critica a representante do CNTE. “É preciso vontade política dos gestores públicos para viabilizar o que o Brasil já elegeu como prioridade para a escola pública e seus profissionais”, complementa.
Desinteresse
As especialistas também apontam a necessidade de se trabalhar a percepção que a sociedade tem dos educadores. Hoje são poucos os jovens que desejam seguir na carreira docente – conforme pesquisa realizada pela FCC em 2009, apenas 2% dos estudantes egressos do ensino médio desejavam cursar uma licenciatura, os quais destacaram a falta de um referencial positivo para a carreira docente. “O próprio jovem identifica que, em uma sociedade em que as oportunidades no mercado de trabalho foram ampliadas, a atratividade da docência como possibilidade de estabilidade financeira e reconhecimento social vem diminuindo”, afirma Patrícia Almeida, uma das coordenadoras do estudo. Patrícia destaca a fala de uma jovem, classificando-a de elucidativa: “Hoje em dia, quase ninguém quer ser professor. Nossos pais não querem que nós sejamos professores, mas eles querem que existam bons professores. Mas como haverá bons professores se meu pai não quer, o dela não quer? Como é que vai haver professores? Aí fica difícil, não é?” (Cláudia, aluna de escola pública de Feira de Santana – BA).
A equiparação salarial citada anteriormente é uma das propostas de Marta Vanelli para mudar esse cenário. Para Marta, “é preciso passar a mensagem de que os trabalhadores das escolas públicas são profissionais com a grande responsabilidade social de formar gerações de brasileiros e brasileiras. Por isso, o cumprimento da Meta 17 do PNE, que prevê equiparar a remuneração média do magistério à de outras categorias profissionais, nos próximos cinco anos, é fundamental”. Ela também acredita que é preciso resgatar o prestígio da escola pública para, consequentemente, melhorar a percepção da profissão. “Atualmente, 80% das matrículas escolares são públicas e não é mais possível conviver com um modelo de escola que, no senso comum, ‘condena’ a maioria de nossas crianças e jovens”.
Alejandra Velasco faz referência à campanha 5 Atitudes pela Educação, promovida pelo TPE. “Uma dessas atitudes é promover a valorização da educação e do professor por parte dos pais”, cita a especialista. “Muitas vezes, falamos mal da escola do filho, dos professores, e isso gera uma carga simbólica para ele, que começa a perceber que a educação não é importante, que a educação que ele recebe não é uma educação de qualidade, e que o professor não está bem preparado. Isso gera um clima desfavorável à educação”, acredita Alejandra. Ela também destaca a formação docente como um elemento essencial para a valorização dos professores. “O professor é o insumo mais importante da educação, por isso é fundamental que ele tenha uma formação inicial de qualidade e mantenha uma formação continuada, com relação estreita com a sala de aula”, afirma. 
Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/gestao/1356-em-busca-da-valorizacao-do-professor
Acessado em 03/12/2015

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